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Guilherme Almeida/CMPA |
Antes de mais nada, meus
cumprimentos ao Presidente Mauro Pinheiro, pela forma democrática com que está
conduzindo os trabalhos – não sendo duro com o tempo, sabendo que quem vem até
a Câmara durante o recesso, só vem pela sua responsabilidade com a Cidade, com
a sociedade, com seus eleitores e porque o momento nacional exige uma
permanente atenção dos representantes populares para com a realidade deste
País. Agora mesmo, nós vivemos um drama aqui em Porto Alegre.
A Ver.ª Jussara Cony, com muita
propriedade, analisou o processo político brasileiro num campo específico e fez
uma afirmação que é o óbvio ululante, mas que ninguém quer ver: as pessoas
vivem, moram nos Municípios, e aí acontecem as coisas. E ao Município, na
estrutura que se montou neste País hoje, só cabe a responsabilidade, só cabem
os ônus, porque o resto fica em Brasília, o resto se perde no caminho.
Todo esse problema que é
levantado pela mídia relativamente ao Minha Casa, Minha Vida precisa ser olhado
na profundidade da sua própria concepção. Vejam como as coisas acontecem.
Acontecem, mais ou menos, naquela linha desastrosa do que disse um dos
empreiteiros que estão presos:
“Ou eu fazia o jogo dos homens
pagando a propina, ou não tinha obra.”
Eu chamei o nosso colega Humberto
Ciulla Goulart para uma conversa há quatro anos, quando ele estava no DEMHAB:
“Goulart, eu não entendo, o
Município está dando todas as terras de que dispõe para a Caixa Econômica
Federal, que vai se transformar no maior banco de terras que esta Cidade e este
Estado já conheceram, o maior latifundiário urbano. Nunca, ninguém, nenhuma
entidade pública ou privada teve tanta área à disposição dentro dos programas
de arrendamento residencial, não é de compra e venda”.
E ele me disse:
“Pujol, eu não tenho outra saída:
ou eu faço assim, ou não ganho recursos para o DEMHAB.”
É, mais ou menos, a mesma
situação, dita com honestidade, com lisura por alguém que tem sensibilidade e
que queria desenvolver, no Departamento Municipal de Habitação, um amplo
programa de habitação popular na Cidade. Mas os recursos não vieram, o que vem
é a responsabilidade. O que fez o DEMHAB até agora é cadastrar centenas de
milhares de pessoas que vão aflitas buscar oportunidade de ter uma casa
própria, especialmente ter uma residência, aí já não importa se é um aluguel
perpétuo ou se isso é uma compra e venda. Eles não têm onde morar! Então, vão
se socorrer no lugar onde sempre se socorreram ao longo do tempo nesta Cidade:
no DEMHAB, na antiga casa popular, como era há 50 anos a denominação. E ali uns
conseguem ter a resposta, e, quando vão ver o contrato depois, ele não é de
compra e venda, é de arrendamento. E aí, vejam bem, selecionadas, as pessoas
são encaminhadas à Caixa Econômica Federal, que examina o cadastro das pessoas
e contrata com quem ele entende que tem que contratar, seguindo, no caso de
Porto Alegre, a opinião do Orçamento Participativo, seguindo a opinião da
comissão de moradores do Movimento pelo Direito à Moradia e aí contrata. Aí
eles entregam a chave, inicia a contratação, aí o DEMHAB organiza o condomínio,
o sujeito vai observar que ele vai pagar mais pelo condomínio do que pela casa,
e, daqui um pouco, ele não tem dinheiro para pagar. Aí ele se aperta – como
disse uma senhora aqui, tinha que operar a filha, não tinha dinheiro – e vende
a chave, e o DEMHAB não fica sabendo disso, porque o DEMHAB não tem mais
contato com esse cidadão...
Aí o DEMHAB perdeu o controle da situação: o
DEMHAB não sabe quem paga, porque não paga para ele, paga para a Caixa
Econômica; o DEMHAB não sabe quem está pagando o condomínio ou deixando de
pagar o condomínio. O condomínio é a desmoralização do processo democrático –
veja bem o risco do negócio –, porque, no condomínio, todos têm deveres iguais
e direitos iguais, mas ninguém quer ter dever nos condomínios da classe média,
da classe alta e, muito menos, da classe pobre. Pagar o condomínio é uma
desgraça, todos se sentem pisados nesse particular. E o que acontece? Agora vem
toda esta discussão pública, e o DEMHAB passa a ser vítima. Mas por que o
DEMHAB? O DEMHAB não sabe quem que paga e quem deixa de pagar, o que querem que
faça? Que vá lá, bata na porta e pergunte quem está morando lá? Ora, Ver.
Cleiton, se alguém entrou no programa, pegou uma casa e levou para dentro da
sua casa, por razões as mais diferentes possíveis, um traficante, o que o
Departamento Municipal de Habitação tem a ver com isso? Qual o poder do DEMHAB
em coibir os desvios, se o desvio é reconhecido? Abre ensejo à detentora do
imóvel, que é a Caixa Econômica Federal, a, em juízo, retomá-lo, e nunca de um
lado que não tenha esse poder contratual. Então esse é contexto.
E aí a gente vai reclamar que um
coitado – pode ser que não seja tão coitado assim – fez uma maracutaiazinha de
ganhar dez, quinze mil, vinte mil na venda de uma chave? Que autoridade moral
vamos ter neste País para cobrar do pobre procedimentos honestos, se as elites
não têm esse procedimento honesto? Como é que vamos cobrar do pobre isso? Ora, nós
defendemos um país em que todos tenham direitos iguais, e, aqui no Brasil, a
gente pode roubar quilo e metro, porque dificilmente a gente vai ser
responsabilizado. E, normalmente, é o
que acontece nos últimos tempos. As grandes lideranças nacionais, quando
confrontadas com a situação, dizem:
“Mas eu não sabia nada disso”.
Como é que o Diretor do DEMHAB
vai saber quem é que está morando dentro da casa que a Caixa Econômica Federal
contratou? Com alguém? Ora, se por acaso o Ver. Paulinho tem um amigo que
contratou com a Caixa, se, por uma razão qualquer, esse amigo se separou da
mulher, vai viver com outra mulher, tem o órgão municipal de habitação alguma
possibilidade de intervir numa situação como essa? Claro que não tem.
Então, nós precisamos vir para a
realidade. Eu digo tudo isso, porque esta Câmara, que é onde acabam estourando
todos os problemas da Cidade, porque aqui tem trinta e seis pessoas com
responsabilidade política, com responsabilidade social, pode e deve fazer
alguma coisa. Eu vou requerer que se faça uma comissão externa, para a qual eu convoco,
necessariamente, a presença do Delegado Cleiton e do Ver. Paulinho Rubem Berta
a integrarem essa comissão, e nós vamos para dentro desses condomínios
conversar com o povo – não como policiais, nem como inquisitórios, mas como
representantes do povo sabendo o que, efetivamente, está acontecendo. E vamos
cobrar de quem se pode cobrar, mas antes vamos denunciar que o sistema está
errado! A Caixa Econômica não tem condições de fiscalizar milhares de
habitações construídas dentro do programa Minha Casa, Minha Vida na Faixa 1,
porque, na Faixa 2, isso pode acontecer. Agora vejam o seguinte, o grande
prejudicado e o grande injustiçado com isso é o Município. Nessas casas, cujas
chaves são vendidas, onde esse negociozinho é feito, o terreno foi dado pelo Município
para que fosse construído, para que o empresário tivesse interesse. Foi pago
além do que a Caixa paga, o Município contribuiu com determinados valores. Em
cada casinha, em cada apartamento há o dinheiro do contribuinte que o Município
de Porto Alegre paga para o empresário construir esses imóveis, porque senão
não se viabilizariam, dentro dos conceitos que existem.
Dito tudo isso, quero dizer, com
toda a sinceridade: vamos andar com muito cuidado nesse assunto, porque é muito
fácil nós falarmos do pequeno desajuste, pequeno diante das maracutaias que
acontecem neste País, do coitadinho ali no Repouso do Guerreiro ou em outro
conjunto qualquer.
Está faltando para as elites
brasileiras autoridade moral para cobrar do povo lisura, honestidade, bom
comportamento! Porque o exemplo tem que vir de cima! E o exemplo que vem de
cima é o pior possível! Falece autoridade moral para as lideranças nacionais
cobrarem do povo um comportamento honesto, porque eles têm um comportamento
desonesto! Ora, o povo lê que a magistratura guarda R$ 4 mil por mês como
auxílio-moradia, mesmo tendo casa própria onde realiza as suas atividades. Pô,
com R$ 4 mil por mês, ninguém pensa em vender chave. Para quê? Está tudo
garantido, está tudo sob controle. É isso, que cabe ser dito nessa manhã.
Triste, porque nós observamos que essa produção que começa em Brasília,
lamentavelmente, vai se alastrando e chega, ainda que como um riozinho, um
filete de rio muito fininho, até a minha querida Restinga, até o Repouso do
Guerreiro. E eu entendo que não tenho condições de cobrar deles um
comportamento mais limpo, mais honesto, porque eles vão me dizer:
“Ora, Pujol, não vem com essa
história para nós, neste País aqui se rouba a quilo e a metro, e agora tu
queres ditar regra para moral nós aqui na vila?”.
Não farei isso.