segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

MINHA CASA... MINHA TRISTEZA II

Guilherme Almeida/CMPA
Antes de mais nada, meus cumprimentos ao Presidente Mauro Pinheiro, pela forma democrática com que está conduzindo os trabalhos – não sendo duro com o tempo, sabendo que quem vem até a Câmara durante o recesso, só vem pela sua responsabilidade com a Cidade, com a sociedade, com seus eleitores e porque o momento nacional exige uma permanente atenção dos representantes populares para com a realidade deste País. Agora mesmo, nós vivemos um drama aqui em Porto Alegre.
A Ver.ª Jussara Cony, com muita propriedade, analisou o processo político brasileiro num campo específico e fez uma afirmação que é o óbvio ululante, mas que ninguém quer ver: as pessoas vivem, moram nos Municípios, e aí acontecem as coisas. E ao Município, na estrutura que se montou neste País hoje, só cabe a responsabilidade, só cabem os ônus, porque o resto fica em Brasília, o resto se perde no caminho.
Todo esse problema que é levantado pela mídia relativamente ao Minha Casa, Minha Vida precisa ser olhado na profundidade da sua própria concepção. Vejam como as coisas acontecem. Acontecem, mais ou menos, naquela linha desastrosa do que disse um dos empreiteiros que estão presos:
“Ou eu fazia o jogo dos homens pagando a propina, ou não tinha obra.”
Eu chamei o nosso colega Humberto Ciulla Goulart para uma conversa há quatro anos, quando ele estava no DEMHAB:
“Goulart, eu não entendo, o Município está dando todas as terras de que dispõe para a Caixa Econômica Federal, que vai se transformar no maior banco de terras que esta Cidade e este Estado já conheceram, o maior latifundiário urbano. Nunca, ninguém, nenhuma entidade pública ou privada teve tanta área à disposição dentro dos programas de arrendamento residencial, não é de compra e venda”.
E ele me disse:
“Pujol, eu não tenho outra saída: ou eu faço assim, ou não ganho recursos para o DEMHAB.”
É, mais ou menos, a mesma situação, dita com honestidade, com lisura por alguém que tem sensibilidade e que queria desenvolver, no Departamento Municipal de Habitação, um amplo programa de habitação popular na Cidade. Mas os recursos não vieram, o que vem é a responsabilidade. O que fez o DEMHAB até agora é cadastrar centenas de milhares de pessoas que vão aflitas buscar oportunidade de ter uma casa própria, especialmente ter uma residência, aí já não importa se é um aluguel perpétuo ou se isso é uma compra e venda. Eles não têm onde morar! Então, vão se socorrer no lugar onde sempre se socorreram ao longo do tempo nesta Cidade: no DEMHAB, na antiga casa popular, como era há 50 anos a denominação. E ali uns conseguem ter a resposta, e, quando vão ver o contrato depois, ele não é de compra e venda, é de arrendamento. E aí, vejam bem, selecionadas, as pessoas são encaminhadas à Caixa Econômica Federal, que examina o cadastro das pessoas e contrata com quem ele entende que tem que contratar, seguindo, no caso de Porto Alegre, a opinião do Orçamento Participativo, seguindo a opinião da comissão de moradores do Movimento pelo Direito à Moradia e aí contrata. Aí eles entregam a chave, inicia a contratação, aí o DEMHAB organiza o condomínio, o sujeito vai observar que ele vai pagar mais pelo condomínio do que pela casa, e, daqui um pouco, ele não tem dinheiro para pagar. Aí ele se aperta – como disse uma senhora aqui, tinha que operar a filha, não tinha dinheiro – e vende a chave, e o DEMHAB não fica sabendo disso, porque o DEMHAB não tem mais contato com esse cidadão...
 Aí o DEMHAB perdeu o controle da situação: o DEMHAB não sabe quem paga, porque não paga para ele, paga para a Caixa Econômica; o DEMHAB não sabe quem está pagando o condomínio ou deixando de pagar o condomínio. O condomínio é a desmoralização do processo democrático – veja bem o risco do negócio –, porque, no condomínio, todos têm deveres iguais e direitos iguais, mas ninguém quer ter dever nos condomínios da classe média, da classe alta e, muito menos, da classe pobre. Pagar o condomínio é uma desgraça, todos se sentem pisados nesse particular. E o que acontece? Agora vem toda esta discussão pública, e o DEMHAB passa a ser vítima. Mas por que o DEMHAB? O DEMHAB não sabe quem que paga e quem deixa de pagar, o que querem que faça? Que vá lá, bata na porta e pergunte quem está morando lá? Ora, Ver. Cleiton, se alguém entrou no programa, pegou uma casa e levou para dentro da sua casa, por razões as mais diferentes possíveis, um traficante, o que o Departamento Municipal de Habitação tem a ver com isso? Qual o poder do DEMHAB em coibir os desvios, se o desvio é reconhecido? Abre ensejo à detentora do imóvel, que é a Caixa Econômica Federal, a, em juízo, retomá-lo, e nunca de um lado que não tenha esse poder contratual. Então esse é contexto.
E aí a gente vai reclamar que um coitado – pode ser que não seja tão coitado assim – fez uma maracutaiazinha de ganhar dez, quinze mil, vinte mil na venda de uma chave? Que autoridade moral vamos ter neste País para cobrar do pobre procedimentos honestos, se as elites não têm esse procedimento honesto? Como é que vamos cobrar do pobre isso? Ora, nós defendemos um país em que todos tenham direitos iguais, e, aqui no Brasil, a gente pode roubar quilo e metro, porque dificilmente a gente vai ser responsabilizado. E, normalmente, é o  que acontece nos últimos tempos. As grandes lideranças nacionais, quando confrontadas com a situação, dizem:
“Mas eu não sabia nada disso”.
Como é que o Diretor do DEMHAB vai saber quem é que está morando dentro da casa que a Caixa Econômica Federal contratou? Com alguém? Ora, se por acaso o Ver. Paulinho tem um amigo que contratou com a Caixa, se, por uma razão qualquer, esse amigo se separou da mulher, vai viver com outra mulher, tem o órgão municipal de habitação alguma possibilidade de intervir numa situação como essa? Claro que não tem.
Então, nós precisamos vir para a realidade. Eu digo tudo isso, porque esta Câmara, que é onde acabam estourando todos os problemas da Cidade, porque aqui tem trinta e seis pessoas com responsabilidade política, com responsabilidade social, pode e deve fazer alguma coisa. Eu vou requerer que se faça uma comissão externa, para a qual eu convoco, necessariamente, a presença do Delegado Cleiton e do Ver. Paulinho Rubem Berta a integrarem essa comissão, e nós vamos para dentro desses condomínios conversar com o povo – não como policiais, nem como inquisitórios, mas como representantes do povo sabendo o que, efetivamente, está acontecendo. E vamos cobrar de quem se pode cobrar, mas antes vamos denunciar que o sistema está errado! A Caixa Econômica não tem condições de fiscalizar milhares de habitações construídas dentro do programa Minha Casa, Minha Vida na Faixa 1, porque, na Faixa 2, isso pode acontecer. Agora vejam o seguinte, o grande prejudicado e o grande injustiçado com isso é o Município. Nessas casas, cujas chaves são vendidas, onde esse negociozinho é feito, o terreno foi dado pelo Município para que fosse construído, para que o empresário tivesse interesse. Foi pago além do que a Caixa paga, o Município contribuiu com determinados valores. Em cada casinha, em cada apartamento há o dinheiro do contribuinte que o Município de Porto Alegre paga para o empresário construir esses imóveis, porque senão não se viabilizariam, dentro dos conceitos que existem.
Dito tudo isso, quero dizer, com toda a sinceridade: vamos andar com muito cuidado nesse assunto, porque é muito fácil nós falarmos do pequeno desajuste, pequeno diante das maracutaias que acontecem neste País, do coitadinho ali no Repouso do Guerreiro ou em outro conjunto qualquer.
Está faltando para as elites brasileiras autoridade moral para cobrar do povo lisura, honestidade, bom comportamento! Porque o exemplo tem que vir de cima! E o exemplo que vem de cima é o pior possível! Falece autoridade moral para as lideranças nacionais cobrarem do povo um comportamento honesto, porque eles têm um comportamento desonesto! Ora, o povo lê que a magistratura guarda R$ 4 mil por mês como auxílio-moradia, mesmo tendo casa própria onde realiza as suas atividades. Pô, com R$ 4 mil por mês, ninguém pensa em vender chave. Para quê? Está tudo garantido, está tudo sob controle. É isso, que cabe ser dito nessa manhã. Triste, porque nós observamos que essa produção que começa em Brasília, lamentavelmente, vai se alastrando e chega, ainda que como um riozinho, um filete de rio muito fininho, até a minha querida Restinga, até o Repouso do Guerreiro. E eu entendo que não tenho condições de cobrar deles um comportamento mais limpo, mais honesto, porque eles vão me dizer:
“Ora, Pujol, não vem com essa história para nós, neste País aqui se rouba a quilo e a metro, e agora tu queres ditar regra para moral nós aqui na vila?”.

Não farei isso.

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