No dia de ontem, tive
três fortes razões para ocupar a tribuna.
A primeira delas é,
por óbvio, saudar o meu colega, Cláudio Conceição, que vem
fortalecer a nossa Bancada ainda que temporariamente, mas num
prenúncio do que será, muito breve, de forma definitiva. O
Conceição sabe muito bem do apreço que tenho por ele e da certeza
de que, salvo coisas muito positivas que possam ocorrer na sua vida,
entre as quais ser convocado para ir para a Assembleia Legislativa do
Estado, o seu futuro é breve estar conosco aqui na Câmara
Municipal.
De outro lado, Sr.
Presidente, quero, dizer do meu júbilo, da minha satisfação com o
êxito da programação da Semana Farroupilha em Porto Alegre, muito
especialmente do acampamento nativista. Pessoalmente, tenho essa
alegria redobrada na medida em que vejo que dela participou
intensamente um jovem que já trabalhou nesta Casa, na minha
assessoria, o Giovani Osório Tubino, que é um dedicado, é um
trabalhador que tem muito a ver com o que está sendo decantado na
Cidade como o melhor dos acampamentos nativistas ocorridos ao longo
da história de suas realizações.
Finalmente, um assunto
bem menos ameno, que não é de regozijo e em que, de certa forma, eu
contrario a maioria desta Casa e, quiçá, a maioria da população
da Cidade. Ontem estava sendo muito festejada a publicação do
edital de licitação para o transporte coletivo na cidade de Porto
Alegre.
Eu, particularmente,
não participo desses festejos porque entendo que nós estamos
perdendo, aqui no Município, uma grande oportunidade de enfrentar o
problema na sua real situação, especialmente no seu grande
fundamento e na grande etapa a ser transposta.
Eu não acredito que a
licitação vai ser a panaceia que todos indicam, esperam ser,
superando todas as dificuldades que o transporte coletivo vem
apresentando na Cidade, como de resto apresenta em todo o Brasil.
Eu quero aproveitar o
ensejo para dizer, com conhecimento de causa, que o transporte
coletivo da cidade de Porto Alegre foi, até bem pouco tempo, o
melhor do Brasil, e que hoje é um dos melhores, por situações que
alteraram sua condição no momento presente.
Mas, de qualquer sorte,
acho que o problema maior do transporte coletivo brasileiro, que se
acentua aqui em Porto Alegre, é a forma de financiamento da sua
realização.
Ocorre que, ao longo do
tempo, a sociedade brasileira, através das suas representações, na
maioria das vezes pela via legal adequada, introduziu, nos
dispositivos legais e constitucionais que fazia, a política do
chamado bem-estar, que muitos hoje estão dizendo que é a política
do bonzinho, pela qual o Poder Público acumula determinados
segmentos da sociedade com algumas vantagens, com alguns benefícios,
muitos dos quais justificados, mas pagos de forma inadequada.
Hoje, mais acentuado do
que na nossa época, a forma de financiamento do transporte coletivo
em Porto Alegre está entregue exclusivamente ao usuário do
transporte coletivo, que paga, em última instância, todos os
benefícios que a bondade dos legisladores e do Prefeito possam, ao
longo do tempo, ter oferecido. Hoje, sabidamente, aproximadamente 30%
do custo da tarifa é decorrência dos benefícios que são
concedidos. Benefícios que – repito – são justos, tipo a não
cobrança de tarifa dos idosos, que, por legislação federal, é
assegurada a todos aqueles que têm idade superior a 65 anos e, por
legislação municipal, é concedida inclusive para aqueles outros
que têm idade superior a 60 anos – único caso no Brasil.
Isso é correto? Isso é
adequado?
Eu acho que é um
benefício dado à maioria da população que contribuiu durante toda
a sua vida, com seu esforço, com seu trabalho para chegar aonde
chegaram - se justifica!
O que não se justifica
é o legislador federal votar lei, conceder o benefício e esquecer
de estabelecer quem é que vai pagar por esse benefício!
E o benefício, no fim,
reverter nas costas do usuário do transporte coletivo que,
normalmente, é pessoa de baixa renda e que, em muitos casos, está
pagando a passagem daquele outro que tem uma renda maior do que a
dele na sua aposentadoria.
Então o enfrentamento
dessa questão, é o grande desafio que se tem hoje na sociedade
brasileira. Em licitações, em discursos, em novas legislações,
tudo isso contorna o problema. Ora, sabidamente, qualquer atividade
econômica tem os seus custos, e esses, inclusive, por obrigação
constitucional, devem ser cobertos ora pelo Poder Público,
indiretamente, quando ele faz a exploração, ora com a devida
indenização daqueles que têm essa atividade delegada pelo Poder
Público concedente.
Em ambos os casos, isso
não vem ocorrendo, quem paga a isenção da tarifa do funcionário
da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, é o pobre, que não
ganha o que ele ganha. Sabe quem paga a tarifa do seu colega policial
isento, do brigadiano isento?
É o usuário!
Então esse sistema é
injusto, e eu posso dizer mais, é cruel. Inclusive é tão cruel,
que há bem pouco tempo pagava imposto, inclusive, para o Município.
O Município dava com
uma mão e tirava com a outra. Hoje o transporte coletivo, a empresa
gerida pelo próprio Município comprova toda essa minha afirmativa.
E o Município injeta,
mês após mês, a titulo de aumento de capital na Companhia Carris
valores que, segundo constam, superam R$ 2 bilhões por mês para
financiar o custo da sua operação. Hoje o Município deixou,
renunciou, através de lei municipal que nós aprovamos, nós, o
Governo, até contrariando as vozes da oposição, a redução e a
eliminação da cobrança do Imposto sobre Serviço de Qualquer
Natureza que, em nível de 3%, era pago pelas empresas até o momento
em que foi dada a absorção por parte desse fato. Isso ia para a
tarifa, porque empresário nenhum paga imposto. Ele recolhe imposto
do contribuinte, recolhe o imposto do consumidor e paga para o
Governo.
No fim, a corda estoura
do lado do mais fraco, e o mais fraco é, no caso concreto, o usuário
de transporte coletivo, que asfixiadamente paga uma tarifa que ele
julga que é cara e que eu digo que poderia ser bem mais barata, se
houvesse uma forma mais inteligente de financiar a operação do
sistema aqui em Porto Alegre, como já está ocorrendo em algumas
cidades brasileiras. E isso não tem mistério!
A forma que está sendo
encontrada em São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro para manter uma
tarifa mais baixa é o subsídio.
Não há outra maneira
de ser!
Na França, um subsídio
complicado por vários sistemas, mas em Paris é subsidiado o
transporte coletivo, em Madri, em Barcelona, em Lisboa, no mundo
inteiro. Nós aqui teríamos que ter, na ausência de outra solução,
que eu não diviso, e eu não sou nenhum visionário, a ausência de
outra solução teríamos que fazer com o conjunto o que hoje é
parcialmente feito com a Companhia Carris Porto-Alegrense.
Por isso, com toda a
tranquilidade, no momento em que se festeja a licitação que é
reaberta a partir de hoje, eu não me incluo entre aqueles que
festejam porque entendo, que perdura o problema na sua raiz, na sua
base.
Quem vai pagar o custo
de tudo isso?
Que o povo merece ter
um bom coletivo, não há dúvida alguma; que o povo tenha que
suportar o seu uso, ainda que discutindo se admite, mas o povo não
pode pagar pelo que usa e pelo que os outros usam também, porque aí
é cruel, é injusto, é incorreto e deveria ter sido objeto de um
estudo nesse período em que se pretende modificar estruturalmente o
sistema de transporte coletivo na Cidade.
É por essa razão, não
é por outra razão que vim à tribuna, no dia de ontem, dizer que
não estou festejando a licitação aberta.
Não sou daqueles que
estão a passar para a população que essa licitação, ao final e
ao cabo, vai resultar nos benefícios que alguém imagina.
Aliás, grande parte
dos que pediam a licitação são os mesmos que pediam a estatização
do transporte coletivo na Cidade, mas como fazer uma licitação e ao
mesmo tempo, promovermos a estatização? São impossíveis essas
situações.
Nesse conjunto de
incoerências sobressai, a meu juízo, essa circunstância toda
especial.
Eu sei o custo do meu
pronunciamento, sei que será dito que vim à tribuna para defender
os empresários, sei que será dito que sou comprometido com aqueles
que operam o transporte de Porto Alegre legitimamente porque detêm
essa delegação há mais tempo.
Assumo o risco, e tenho
a consciência de que o meu pronunciamento, tem base na seriedade do
exame aprofundado de uma realidade de quem, inclusive, conheceu no
passado o pavor que foi o transporte público estatizado na cidade de
Porto Alegre, o caos que era o atendimento à população. Por
conhecer tudo isso, eu acho que é do meu dever, eu que tenho quase
75 anos de idade, nessa hora em que tudo é expectativa de que algo
de muito bom possa surgir, tudo é festejo, dizer, antes que
aconteça, que eu não me incluo entre os que estão festejando.
Tenho sérias dúvidas,
e em muitos casos, até certeza de que a coisa não terminará do
jeito que alguns sonham que possa terminar, muito antes pelo
contrário, maus momentos estou preconizando, maus momentos, com
certeza, haverão de surgir, e tenho expectativa de que não sejam os
piores possíveis, mas, com toda a razão, não haverão de ser os
melhores.
Aqueles que irão
realizar a utopia de alguns, de achar que em Porto Alegre é possível
ter um transporte público bom, barato, e, se possível, de graça,
saibam que alguém tem que pagar o custo de toda essa festa.
Que não seja o povo,
que não seja o usuário, é este o meu desejo, que, lamentavelmente,
na atual circunstância, e dentro da lógica predominante, não irá
acontecer.